O tabagismo em tempos de COVID

Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro

Profissionais de Saúde

Publicado em 28 mar 2022

O tabagismo em tempos de COVID


Título do Estudo


O tabagismo em tempos de COVID

 

Fonte


1- Stanton R, To QG, Khalesi S, Williams SL, Alley SJ, Thwaite TL, Fenning AS, Vandelanotte C. Depression, Anxiety and Stress during COVID-19: Associations with Changes in Physical Activity, Sleep, Tobacco and Alcohol Use in Australian Adults. Int. J. Environ. Res. Public Health 2020, 17, 465; doi:10.3390/ijerph17114065.

2- Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, Machado IE, Júnior PRBS, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Azevedo LO, Pina MF, Werneck AO, Silva DRP. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saúde Debate, Rio de Janeiro, V. 44, N. Especial 4, P. 177-190, Dezembro 2020.

3- Malta DC, Gomes CS, Júnior PRB, Szwarcwald CL, Barros MBA, Machado IE, Romero DE, Lima MG, Silva AG, Prates EJS, Cardoso LSM, Damacena GN, Werneck AO, Silva DRP, Azevedo LO. Fatores associados ao aumento do consumo de cigarros durante a pandemia da Covid-19 na população brasileira. Cad. Saúde Pública 2021; 37(3):e00252220

4- Alqahtani JS, Oyelade T, Aldhanir AM, Saeed MA, Almehmadi M, Alqahtani AS, Quaderi S, Mandai S, Hurst JS. Prevalence, Severity and Mortality associated with COPD and Smoking in patients with COVID-19: A Rapid Systematic Review and Meta-Analysis. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0233147 ,May 11, 2020.

5- Jackson SE, Garnett C, Shahab L, Oldham M, Brown J. Association of the COVID‐19 lockdown with smoking, drinking and attempts to quit in England: an analysis of 2019–20 data.  Addiction, 116, 1233–1244.

 

Desenho do estudo


Diversos artigos tem abordado o tabagismo no cenário da pandemia do COVID-19. Várias questões ocasionadas pela pandemia, como: o isolamento social, o distanciamento da família, a redução dos rendimentos, o medo do adoecimento, o luto pela perda de familiares e amigos pela COVID, o aumento da ansiedade e sintomas de depressão, sedentarismo, aumento do consumo de bebidas alcóolicas, dentre outros, colaboraram para o aumento do consumo do tabaco pelos fumantes, segundo estudos. Este artigo tem como objetivo a revisão de alguns principais artigos sobre o tema, e sua discussão.

Um dos primeiros estudos a abordar esta questão, foi um estudo Australiano, de Stanton e col. Esse estudo avaliou em 1491 participantes, a depressão, ansiedade e stress durante a Covid-19 e suas associações com mudanças na atividade física, sono, e o uso do tabaco e do álcool em adultos australianos.  Foram observadas mudanças negativas em relação a atividade física (48.9%), sono (40.7%), álcool (26,6%) e fumo (6,9%), desde o início da pandemia. Escores significativamente maiores em um ou mais estados de stress psicológico, foram observados em mulheres, e em pessoas sem um relacionamento afetivo, com pior condição financeira, e com doenças crônicas. Mudanças negativas na atividade física, sono, tabagismo e consumo de álcool estiveram associados com maiores níveis de sintomas depressivos, de ansiedade e de stress (1).

O estudo de Malta e col., realizado pela Fiocruz em parceria com outras universidades, analisou as repercussões da adesão ao distanciamento social, no estado de ânimo e as mudanças nos estilos de vida da população adulta brasileira durante o início da pandemia da Covid -19, em 45.161 participantes. Neste estudo, 75% dos participantes ficaram em casa, sendo que 15% ficaram “rigorosamente” em casa. Os sentimentos mais frequentes relatados por grande parte da população estudada foram tristeza ou depressão (35,5%), isolamento (41,2%) e ansiedade (41,3%). O aumento do consumo de bebidas alcoólicas foi reportado por 17% dos participantes, e 34% dos fumantes aumentaram o número de cigarros. Também foi observado o aumento no consumo de alimentos não saudáveis e redução da prática de atividade física no período estudado (2).

Em outro estudo do grupo anterior (3), avaliando o mesmo grupo de participantes, o objetivo foi identificar fatores associados ao aumento do consumo de cigarros durante a pandemia da Covid-19 na população brasileira. Os resultados mostraram que os fumantes aumentaram em 34% o consumo de cigarros. Esse aumento foi maior entre as mulheres e entre pessoas com Ensino Médio incompleto. O aumento do consumo de cigarros esteve associado à piora da qualidade do sono, do isolamento dos familiares, de sentimentos de tristeza ou depressão, ansiedade, de ficar sem rendimentos e pior avaliação do estado de saúde.

A prevalência, severidade e mortalidade em pacientes fumantes e com DPOC, com COVID-19, foi avaliada em uma meta análise, do Reino Unido. Um total de quinze artigos, com 2473 pacientes com COVID-19 confirmados, foram incluídos neste estudo. Embora a prevalência de DPOC tenha sido baixa nos estudos incluídos, a infecção pela COVID-19 foi associada com taxas substanciais de severidade e mortalidade em pacientes com DPOC. Fumantes tiveram maior risco de complicações severas e maiores taxas de mortalidade, quando comparadas a não fumantes e ex – fumantes (4).

Em um estudo onde foram avaliados fumantes e bebedores de alto risco na Inglaterra, os resultados mostraram que esses grupos tiveram mais persistência no abandono do tabagismo ou na redução do consumo de álcool, durante o lockdown, do que antes da pandemia. As taxas de cessação do tabagismo e do uso de suporte remoto também foram maiores durante o “lockdown”, do que antes da pandemia (5).

 

Mensagem/Resultado


O período pré- pandemia já trazia questões relacionadas à dificuldade no enfrentamento da cessação do tabagismo, por parte dos fumantes que já apresentavam questões relacionadas à saúde mental, como transtornos de ansiedade e de humor principalmente. Este grupo de fumantes, não encontram em sua maioria, serviços especializados que possam oferecer um tratamento diferenciado que esse grupo necessita. A imensa maioria dos grupos do SUS de atendimento ao fumante para cessação do tabagismo, não tem a presença do médico, e quando tem, muitos não possuem o treinamento necessário para a identificação e o tratamento de condições psiquiátricas que prejudicam a adesão e o resultado do tratamento. Se no âmbito do atendimento ambulatorial por médicos de qualquer especialidade, já vínhamos enfrentando problemas, quando a necessidade é de suporte à saúde mental, a situação fica ainda mais caótica.

É preciso relembrar, que no tratamento da cessação do tabagismo, abordamos três tipos de dependência: Química (nicotina), Comportamental e Psicológica. Dependendo do grau de cada uma das dessas dependências, a estratégia de tratamento é organizada. Infelizmente, a grande maioria dos tratamentos oferecidos pelo SUS não abordam adequadamente a dependência psicológica, gerando sentimentos de “incapacidade” e “derrota”, em fumantes com este tipo de dependência predominante, que precisariam de abordagem psiquiátrica, dificultando o processo do abandono do tabagismo.

Em relação à pandemia da Covid -19, além das questões psicológicas e ou psiquiátricas já existentes em um grande grupo de fumantes, somaram-se várias outras: Luto pela perda de entes queridos pela Covid -19, desemprego, redução dos rendimentos, serviços de atendimento médicos paralisados levando a dificuldade em continuar o tratamento das doenças de base, a mudança da forma do trabalho, associada muitas vezes a sobrecarga e ao Burnout, o trabalho dos profissionais da linha de frente, os quais tiveram que lidar também com o adoecimento e/ou a perda de entes queridos pela Covid-19.

Desta forma, o que ocorreu durante a pandemia, amplificou os entraves que já existiam, na busca por esse tipo de atendimento. É necessária a discussão sobre como é possível oferecer um atendimento no âmbito da saúde mental, aos muitos necessitados. Os estudos mostrados anteriormente apontaram o aumento do consumo de cigarros pelos fumantes, associado ao aumento dos sintomas de ansiedade, tristeza ou depressão, dentre outros. Estes pacientes precisam de apoio para a cessação do tabagismo, além dos grupos já existentes no SUS, com acesso a psicoterapia, e suporte psiquiátrico com médico especialista ou médico capacitado, além do acesso aos medicamentos necessários para o controle dos distúrbios psiquiátricos e sintomas em questão. Urge a necessidade de desenvolvermos estratégias que contemplem a melhoria da saúde mental de todos os que precisam (que não são poucos), e mais especificamente, no que concerne ao cenário da cessação do tabagismo, para que esses pacientes possam ter êxito em parar de fumar, mantendo o maior tempo de abstinência possível, e auxílio nas recaídas, quando estas ocorrerem.

 

Dra. Alessandra Alves da Costa  – CRM 5262772-0
Médica Pneumologista- TE SBPT, e Psiquiatra.
Mestre em Ciências Médicas- UERJ
Doutoranda em Ciências Médicas- UERJ

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