Publicado em 16 maio 2025
HIV-Associated Tuberculosis
Título do Estudo
HIV-Associated Tuberculosis
Fonte
HIV-Associated Tuberculosis, New EnglandJournalof Medicine, 391, 17, (1662-1663), (2024).
Epidemiologia
A tuberculose é a principal causa de morte e hospitalização em todo o mundoentre adultos com infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), representando 40% das mortes e 18% das internações. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a tuberculose afetou 10,6 milhões de pessoas em 2021, das quais 6,7% eram portadoras do HIV. 187.000 mortes foram causadas pela associação de tuberculose com o HIV em 2021, o que representou 11,8% das mortes por tuberculose globalmente.
A contagem mais recente de linfócitos T CD4+ é o melhor preditor do risco de tuberculose em pessoas que estão recebendo terapia antirretroviral (TARV). O risco relativo de tuberculose entre pessoas com infecção por HIV aumenta exponencialmente à medida que a contagem de CD4+ diminui, aumentando mais de 25 vezes quando o CD4+ é menor que 200 em comparação com uma contagem de CD4+ de 1000.
Porém, em um estudo realizado na África do Sul, a incidência de tuberculose ainda era 4 vezes maior entre pessoas que estavam recebendo TARV e que tinham um CD4+ superior a 700, em comparação com pessoas que viviam na mesma comunidade e não tinham infecção por HIV.
O uso da TARV tem sido associado a uma redução na incidência de tuberculose entre pessoas com infecção por HIV de 67 a 84%. No ensaio PopART, o risco de tuberculose foi 73% menor entre pessoas que iniciaram a TARV com CD4+ superior a 500 do que aquelas que iniciaram o tratamento com CD4+ de 500 ou menos. Esse achado destaca a importância da iniciação precoce da TARV para a prevenção da tuberculose.
Imunologia
A depleção progressiva dos linfócitos TCD4+, característica da infecção por HIV não tratada, está associada ao comprometimento do controle de Mycobacterium tuberculosis.Os linfócitos T CD4+ produzem interferon-gama que ativam macrófagos infectados com M. tuberculosis e facilitam a morte intracelular do patógeno.A ativação de macrófagos é um passo crucial na formação de granulomas, que é essencial para limitar o crescimento e a disseminação de M. tuberculosis.
Porém, a linfopenia de CD4+ não é o único mecanismo pelo qual a infecção por HIV aumenta o risco de tuberculose. O HIV altera as populações e a função das células imunes adaptativas de várias maneiras, aumentando a suscetibilidade à tuberculose.Os efeitos da infecção por HIV na função das células imunes inatas prejudicam a fagocitose e a apoptose dos macrófagos, o processamento e a apresentação de antígenos pelas células dendríticas, e a capacidade destruição do patógeno pelos neutrófilos.
Outras alterações funcionais incluem a redução da produção da Interleucina 2 (IL-2), que compromete a proliferação e a produção de citocinas células T específicas para micobactérias nas vias aéreas.
Os testes cutâneos de tuberculina (PPD) e os ensaios de liberação de interferon-gama (IGRAs) refletem a presença de uma resposta de memória adaptativa aos antígenos micobacterianos. No entanto, eles podem ser negativos em pessoas com infecção avançada por HIV.
Manifestações Clínicas
Em pessoas com infecção por HIV e imunossupressão leve, as características da tuberculose são semelhantes às encontradas em pessoas sem infecção por HIV, que tipicamente apresentam tuberculose pulmonar, nos lobos superiores e frequentemente com cavitação. Porém, pacientes com imunossupressão grave costumam apresentar opacidades nodulares não cavitadas em zonas inferiores ou consolidação, frequentemente acompanhadas de adenopatia hilar ou mediastinal.
A prevalência de tuberculose subclínica entre pessoas com infecção por HIV não tratada varia entre 7% e 52%. Nos pacientes com culturas de escarro positivas para M. tuberculosis, 8% a 29% apresentam radiografias de tórax normais.
Pacientes com imunossupressão grave têm uma progressão acelerada da doença, que pode mimetizar infecções bacterianas agudas. Em países com alta carga de infecção por HIV e tuberculose, os pacientes internados com tuberculose associada ao HIV frequentemente apresentam sepse e disfunção orgânica.
A tuberculose extrapulmonar ou disseminada ocorre com mais frequência em pessoas com infecção por HIV que apresentam imunossupressão grave com T CD4+<200. Os locais mais comuns de tuberculose extrapulmonar são os linfonodos, fígado, baço, superfícies serosas (causando derrames) e o sistema nervoso central.
A infecção sanguínea do M. tuberculosis pode estar associada a coagulopatia, ativação do sistema imunológico inato e disfunção imunológica. A meningite tuberculosa é uma das piores apresentações e está associada a uma mortalidade de aproximadamente 40% entre pessoas com infecção por HIV.
Diagnóstico
A tuberculose pulmonar é mais difícil de diagnosticar em pessoas com infecção pelo HIV e baixa contagem de linfócitos T CD4+ em comparação com aquelas que tem uma contagem mais alta. Isso acontece porque as cavidades pulmonares geralmente estão ausentes, elas apresentam uma menor carga bacteriana no escarro, além de uma alta proporção dos pacientesnão conseguirem produzir uma amostra de escarro significativa.
Até 2010, a análise microscópica de uma amostra de escarro (BAAR) e a cultura eram os principais testes disponíveis para o diagnóstico da tuberculose. O BAAR tem baixa sensibilidade em pessoas com infecção pelo HIV, e a cultura leva de 30 a 60 dias para fornecer um resultado positivo.
Em 2010 o teste Xpert MTB/RIF, um ensaio de reação em cadeia da polimerase (PCR) em cartucho que detecta simultaneamente o M. tuberculosis e a resistência à rifampicina com um tempo de resposta de 2 horas, foi aprovado pela OMS, sendo amplamente utilizado desde então.
O teste de segunda geração, Xpert MTB/RIF Ultra, que tem maior sensibilidade, mas menor especificidade do que o teste original, foi endossado pela OMS em 2017.
Na tuberculose disseminada, o Teste Rápido Molecular (TRM) realizado em amostras concentradas de urina e em amostras sanguíneas apresentam um rendimento diagnóstico razoável. Entre pacientes internados com infecção pelo HIV, o rendimento diagnóstico relatado foi de 64% para o Xpert MTB/RIF realizado em amostras de urina, e o Xpert Ultra realizado em amostras de sangue.O Xpert MTB/RIF e o Xpert Ultra apresentam um bom desempenho em comparação ao padrão de referência da cultura em amostras extrapulmonares.
A lipoarabinomanana (LAM) é um glicolipídio presente na parede celular das micobactérias que pode ser detectado na urina de pacientes com tuberculose. A sensibilidade da LAM aumenta e a especificidade diminui à medida que a contagem de linfócitos T CD4+ diminui. Uma infecção disseminada por micobactérias não tuberculosas pode causar resultados falso-positivos.
A incorporação do ensaio urinário de LAM em algoritmos diagnósticos para detecção de tuberculose em pacientes internados com infecção pelo HIV reduziu a mortalidade em ensaios clínicos randomizados e controlados.
A OMS recomenda o uso desse ensaio em pessoas com infecção pelo HIV que apresentem sinais e sintomas de tuberculose e estejam gravemente doentes, ou tenham uma contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200, para pacientes internados, ou inferior a 100, para pacientes ambulatoriais.
Radiografias de tórax que mostram características de tuberculose pulmonar e ultrassonografias abdominais que evidenciam características de tuberculose disseminada ou extrapulmonar apresentam um desempenho diagnóstico razoável e estão amplamente disponíveis
Se os testes forem negativos ou as amostras não puderem ser obtidas, frequentemente há a necessidade de fazer um diagnóstico clínico e radiográfico de tuberculose e iniciar o tratamento empírico, especialmente em pacientes com baixas contagens de linfócitos T CD4+.
Tratamento
Em pessoas com infecção pelo HIV, o tratamento para a tuberculose suscetível a drogas responde bem ao esquema de 6 meses à base de rifampicina, que é o tratamento padrão.Um ensaio clínico de um novo esquema de 4 meses (composto por rifapentina, moxifloxacina, isoniazida e pirazinamida) mostrou que ele não era inferior ao tratamento padrão na tuberculose suscetível a drogas. No entanto, apenas 8% dos participantes do ensaio eram pessoas com infecção pelo HIV, e aqueles com CD4+ inferior a 100 foram excluídos.
A OMS recomendou condicionalmente este regime de 4 meses para pacientes com tuberculose suscetível a drogas, incluindo aqueles com infecção pelo HIV, desde que o CD4+ seja superior a 100.Países com alta carga de infecção por HIV e tuberculose ainda não implementaram este regime devido à disponibilidade limitada de rifapentina e à ausência de uma coformulação em um comprimido de dose fixa.
Em 2022, a OMS recomendou um regime de 6 meses, composto por bedaquilina, pretomanida, linezolida e moxifloxacina, para o tratamento da maioria dos pacientes com tuberculose resistente à rifampicina, incluindo aqueles com infecção pelo HIV; a moxifloxacina é omitida em pacientes que têm tuberculose também resistente a uma fluoroquinolona.
As evidências atuais não apoiam o uso de glicocorticoides adjuvantes em pessoas com meningite tuberculosa associada ao HIV, pois um ensaio recente não mostrou redução na mortalidade ou da deficiência neurológica. Também não é recomendado o uso de glicocorticoides em pacientes com pericardite tuberculosa devido ao aumento do risco de câncer.
Tratamento Combinado (HIV com TB)
O uso da TARV em pacientes com tuberculose associada ao HIV reduz a mortalidade e o risco de reativação da doença. Atrasos no início da TARV aumentam o risco de morbidade e mortalidade relacionadas ao HIV.A OMS recomenda que, em pacientes que ainda não estejam recebendo TARV, esta deve ser iniciada dentro de 2 semanas após o início do tratamento para tuberculose, independentemente da contagem de linfócitos T CD4+.Mas em pacientes com meningite tuberculosa, recomenda-se um atraso de 4 a 8 semanas para o início da TARV.
Preocupações sobre o início da TARV em pacientes em tratamento para tuberculose são:A alta carga de comprimidos; Toxicidade compartilhada; Interações medicamentosas e Síndrome Inflamatória de Reconstituição Imunológica (SIRI) associada à tuberculose.
Duas formas de SIRI associada à tuberculose são reconhecidas.A primeira é caracterizada pelo desenvolvimento de tuberculose com marcadas características inflamatórias nos primeiros 3 meses após o início da TARV. A segunda, paradoxalmente, se manifesta como reações inflamatórias após o início ou reinício da TARV em pacientes em tratamento para tuberculose. Esses pacientes apresentam novos, recorrentes ou agravamento de sintomas e sinais de tuberculose, que geralmente começam de 1 a 2 semanas após o início ou reinício da TARV.
O envolvimento do sistema nervoso central é a forma mais perigosa de SIRI associada à tuberculose. Fatores que aumentam o risco de SIRI paradoxal associada à TARV: Baixa contagem de linfócitos T CD4+; Alta carga viral; Tuberculose extrapulmonar e curto intervalo entre o início do tratamento para tuberculose e o início da TARV.
Porém, a mortalidade foi reduzida em 29% com o início precoce da TARV em pacientes com CD4+ inferior a 50. O tratamento com prednisona em pacientes com SIRI paradoxal reduziu a duração da hospitalização e a necessidade de procedimentos terapêuticos. O uso profilático de prednisona (40 mg diários por 2 semanas, seguido de 20 mg diários por mais 2 semanas) administrado junto com a TARV reduziu a incidência de SIRI paradoxal associada à tuberculose em 30% entre pacientes de alto risco (definido por CD4+ ≤100 e início da TARV dentro de 30 dias após o início do tratamento para tuberculose).
A rifampicina e a rifapentina são fortes indutoras de genes envolvidos no metabolismo e efluxo de muitos medicamentos antirretrovirais, portanto, a coadministração pode resultar em concentrações subterapêuticas dos medicamentos, levando ao fracasso terapêutico e à resistência.
Três estratégias são usadas para gerenciar essas interações medicamentosas:Dobrar a dose do dolutegravirpara 50 mg duas vezes ao dia. Substituição da rifampicina por rifabutina no regime antituberculose, porém o acesso à rifabutina é limitado em países com alta carga de HIV e tuberculose. Escolher um esquema de TARV sem interações clinicamente significativas,sendo pouco factível, pois todos os esquemas preferenciais têm alguma interação.
Rastreio da TB nos pacientes com HIV
O diagnóstico precoce da tuberculose reduz a morbidade, a mortalidade e a transmissão da doença.
Em países com alta carga de HIV e tuberculose, o objetivo da triagem para tuberculose em grupos de alto risco, como pessoas com infecção pelo HIV, é identificar tanto a tuberculose sintomática precoce quanto a subclínica, porém não há consenso em como esse rastreio deve ser feito. Radiografia, BAAR, TRM para todos não se mostrou benéfico, tendo baixa acurácia. São necessários mais estudos para adotar estratégias efetivas.
Terapia Preventiva
Diversos regimes de terapia preventiva reduzem a incidência de tuberculose entre pessoas com infecção pelo HIV, incluindo aquelas que recebem TARV. Esses esquemas foram igualmente eficazes na prevenção da tuberculose, mas os regimes mais curtos à base de rifamicina estiveram associados a um menor risco de efeitos hepatotóxicos, menor risco de morte e maior probabilidade de serem concluídos em comparação com os regimes à base de isoniazida.
Uma meta-análise demonstrou que a isoniazida administrada por tempo indefinido reduziu o risco de tuberculose em 38%, em comparação com a isoniazida administrada por 6 meses.
A terapia para prevenção da tuberculose tem uma duração limitada de benefício em ambientes de alta transmissão.
Um teste cutâneo de tuberculina positivo ou um IGRA (ensaio de liberação de interferon-gama) é uma indicação para terapia preventiva nas diretrizes dos EUA, enquanto esses testes são opcionais nas diretrizes da OMS.
Vacinação
A vacina Bacilo de Calmette-Guérin(BCG) oferece proteção parcial contra formas graves de tuberculose em crianças, mas não apresenta benefício claro em adultos. Novas vacinas estão atualmente em ensaios clínicos de fase 2 e fase 3, algumas incluem pessoas com infecção pelo HIV.
No ensaio clínico de fase 2, a vacina M72/AS01E reduziu a incidência de tuberculose em 50% entre adultos sem infecção pelo HIV, e a segurança e imunogenicidade da vacina foram demonstradas em adultos com infecção pelo HIV.A vacina M72/AS01E é composta por uma proteína de fusão de dois antígenos do Mycobacterium tuberculosis com um potente adjuvante. A fase 3 da vacina foi iniciada em 2024 e inclui pessoas com infecção pelo HIV.
Conclusão
A tuberculose associada ao HIV continua sendo uma prioridade de saúde pública global, apesar das reduções na incidência e mortalidade, que são em grande parte atribuídas à ampliação da TARV.
Ainda são necessárias novas e melhores ferramentas de triagem, diagnóstico, tratamento e prevenção para enfrentar ambas as doenças.
Dr. Vinicius Oliveira Rodrigues de Jesus – pneumologista, médico do serviço de pneumologia do Barra D’Or e Residente de Endoscopia Respiratória na Universidade Federal do Rio de Janeiro.